Como a toxina botulínica pode afetar seu humor?

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Expressões faciais, emoções e toxina botulínica

          Há muito tempo pesquisadores estudam a relação entre as expressões faciais e as emoções. Um dos primeiros nomes a estudar esta relação foi Charles Darwin no seu livro “A expressão das emoções no homem e nos animais” de 1872. Darwin percebeu que as expressões faciais eram universais, ocorrendo tanto nos seres humanos quanto nos animais. Outro nome importante no entendimento das emoções é Paul Ekman, psicólogo americano. Ekman descobriu que a expressão facial das emoções é igual em todos os lugares do mundo, independente de aspectos culturais. Ele ainda determinou que existem 7 expressões faciais básicas relacionada às emoções: felicidade, nojo, medo, desprezo, raiva, tristeza e surpresa. Cada expressão facial é determinada pela movimentação de grupos musculares específicos, logo a musculatura da face é fundamental para que possamos expressar emoções. E a toxina botulínica age justamente bloqueando ou diminuindo a ação dos músculos da face. Isso gerou uma pergunta, será que a aplicação de toxina botulínica teria influência sobre nossas emoções?

A musculatura facial e as emoções

          Cada expressão facial de emoção depende da contração de grupos musculares específicos, mas de forma simples podemos dividir em emoções positivas (felicidade) e negativas (raiva e tristeza). Nas emoções negativas o grupo muscular mais importante são os corrugadores, músculo responsável pelas rugas glabelares, que é ativado durante a expressão de raiva e tristeza. Enquanto na expressão positiva, felicidade, os músculos importantes são os zigomáticos e o orbicular dos olhos.

          Quando fazemos aplicação de toxina botulínica por razões estéticas tanto os músculos corrugadores como o orbicular dos olhos são tratados o que levou os pesquisadores a tentar entender se a toxina botulínica poderia afetar nossas emoções.

Principais grupos musculares relacionados às emoções

Depressão e toxina botulínica

          Os primeiros estudos a respeito de depressão começaram em Finzi em 2006. Desde então múltiplos estudos confirmaram que a aplicação de toxina botulínica nos músculos corrugadores pode melhorar os sintomas de depressão. Estudos comparando toxina botulínica com antidepressivos comuns, mostraram que a toxina botulínica funciona tão bem quanto antidepressivos em quadros moderados de depressão.

          Mas como a toxina botulínica age? Existe uma teoria chamada de hipótese de retroalimentação facial (facial feedback hypothesis). Nesta teoria, quando estamos tristes o cérebro manda uma mensagem para os músculos da face contraírem, gerando uma expressão facial de tristeza. Mas os músculos ao contraírem também enviam um sinal de volta ao cérebro sinalizando tristeza. Ou seja, nossas emoções influenciam nossa expressão facial, mas o inverso também é verdade, nossa expressão facial influencia como nos sentimos. Usando toxina botulínica conseguimos paralisar ou diminuir a contração dos músculos responsáveis pela expressão facial de tristeza, desta forma conseguimos “enganar” o cérebro de que não estamos tristes. O efeito da toxina botulínica neste caso independe de sua ação estética, independe do fato de eliminar ou não as rugas.  

          A aplicação de toxina botulínica no tratamento da depressão é algo bem documentado, uma única aplicação pode ter duração de até 1 ano na melhora dos sintomas de depressão, sendo que 60% dos pacientes com depressão apresentam resposta á toxina botulínica e 1/3 chega a ter remissão completa da depressão.

Felicidade e toxina botulínica

          Se podemos melhorar emoções negativas como tristeza pela aplicação de toxina botulínica, o caminho inverso também é possível. Estudos mostram que aplicação de toxina botulínica nos músculos responsáveis pelo sorriso, pela expressão de felicidade, podem diminuir o sorriso, diminuindo a sensação de felicidade, ou seja, oposto do que acontece no tratamento da depressão.

          Duchenne foi um dos primeiros médicos a estudar expressões faciais, sua pesquisa influenciou Charles Darwin. Duchenne, e posteriormente Darwin, perceberam que um sorriso verdadeiro necessita da contração dos músculos zigomáticos, mas também da musculatura orbicular dos olhos. O músculo orbicular dos olhos causa uma elevação de bochechas e fechamento dos olhos que passa a sensação de um sorriso mais verdadeiro. Este sorriso verdadeiro, no qual existe a participação da musculatura orbicular é chamado de sorriso Duchenne.

          Quando tratamos os chamados “pés de galinhas”, as rugas ao redor dos olhos, bloqueamos justamente o músculo orbicular dos olhos. Este bloqueio muscular pode causar um sorriso mais “falso”, mas não somente isso, pode causar uma sensação de tristeza, justamente pelo mecanismo de retroalimentação facial já explicado acima. Por isso é fundamental avaliar bem cada paciente de forma individualizada para que a aplicação cosmética de toxina botulínica não cause uma sensação de tristeza, nem um sorriso falso.

Comparação entre o sorriso Duchenne ou sorriso verdadeiro e o sorriso sem contração dos músculos ao redor dos olhos (sorriso falso). Detalhe para a região inferior do músculo orbicular (círculo branco)

Interpretação das emoções e toxina botulínica

          Além de felicidade e tristeza, nossas expressões faciais são fundamentais para que possamos reconhecer a emoção das outras pessoas. Através de um processo de mímica de expressão, acabamos assumindo a mesma expressão das outras pessoas, aumentando a empatia e compreendendo melhor como os outros sentem.

          Como a toxina botulínica altera nossa expressão facial, ela pode eventualmente mudar nossa capacidade de reconhecer a emoção dos outros, diminuindo nossa empatia. Existem estudos mostrando que os efeitos da toxina botulínica podem inclusive alterar o funcionamento cerebral, modificando a função da Amigdala, uma parte do sistema límbico, área do cérebro que cuida das emoções.

Resultados naturais da aplicação de toxina botulínica

          Um trabalho pesquisando a satisfação dos pacientes com a aplicação de toxina botulínica para fins estéticos mostrou que uma das principais preocupações era a obtenção de resultados naturais, sem que as expressões faciais ficassem congeladas. Este estudo vem de encontro com o atual entendimento da ação da toxina botulínica nas emoções. Não podemos bloquear demais as expressões faciais e devemos ter muito cuidado com a aplicação de toxina nos grupos musculares relacionados às emoções.

          A aplicação de toxina botulínica pode parecer algo simples, mas não é. Além de um extenso conhecimento da anatomia, requer conhecimentos sobre a fisiologia cerebral, sobre o funcionamento cerebral, mas também sobre psiquiatria, reconhecendo sintomas de doenças como a depressão. Por esta razão, para obtermos resultados naturais, sem riscos para a saúde, é fundamental uma avaliação por um médico especialista.

Referências bibliográficas

  1. Duchenne de Bologne, GBA. Mécanisme de la physionomie humaine. Archives générales de médecine, 1862.
  2. Darwin CR. The expression. Of emotion in man and animals. London: Murray; 1872.
  3. Finzi E. Update: Botulinum Toxin for Depression: More Than Skin Deep. Dermatol Surg. 2018 Oct;44(10):1363-1365
  4. Michaud T, Gassia V, Belhaouari L. Facial dynamics and emotional expressions in facial aging treatments. J Cosmet Dermatol. 2015 Mar;14(1):9-21
  5. Dayan SH. Mind, Mood, and Aesthetics. Aesthet Surg J. 2015 Aug;35(6):759-61.
  6. Magid M, Finzi E, Kruger TH, et al. Treating depression with botulinum toxin: a pooled analysis of randomized controlled trials. Pharmacopsychiatry. 2015 Sep;48(6):205-10.
  7. Magid M, Reichenberg JS, Poth PE, et al. Treatment of major depressive disorder using botulinum toxin A: a 24-week randomized, double-blind, placebo-controlled study. J Clin Psychiatry. 2014 Aug;75(8):837-44

Autor:

Dra. Maria Helena Garrone

Dermatologista – CRM – SP: 100745 | RQE: 39108